Prédio que desabou no Grande Recife é do tipo 'caixão', construção proibida há 20 anos; entenda
06/05/2025
(Foto: Reprodução) Edificações que ignoram normas de engenharia já chegaram a abrigar 11% da população do Grande Recife. Modelo construtivo foi banido há 20 anos, mas problemas persistem. Prédio desaba no bairro de Piedade, em Jaboatão dos Guararapes
A queda parcial do Edf. Kátia Melo, no bairro de Piedade, em Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife, nesta terça-feira (6), é mais uma página na história dos prédios caixão em Pernambuco. No desmoronamento de hoje, que aconteceu às 10h51, na Rua Joaquim Marquês de Jesus, não foram registradas vítimas, pois a estrutura caiu dois dias depois que o imóvel foi interditado pela Defesa Civil de Jaboatão (veja vídeo acima).
Assim como o Edf. Kátia Melo, que segundo a Defesa Civil apresentava vários sinais de risco de desabamento, como fissuras, abatimento de piso e indícios de movimentação na estrutura, cerca de mil prédios do tipo caixão na Região Metropolitana do Recife (RMR) estão na mesma situação, segundo levantamento do Instituto Tecnológico de Pernambuco (Itep) divulgado em 2023.
✅ Receba no WhatsApp as notícias do g1 PE
Do total de 5,3 mil prédios caixão nas cidades do Recife, de Olinda, Paulista e Jaboatão dos Guararapes, pelo menos 260 apresentavam alto risco de desmoronamento, segundo o Itep.
O nome da construção tem relação com o formato de caixa dos edifícios, que são erguidos sem o uso de concreto armado, subindo parede sobre parede, com "alvenaria resistente' - sem vigas e pilares.
Esse tipo de edificação se popularizou na década de 1970 em Pernambuco, especialmente em condomínios de apartamentos populares, por apresentarem um custo reduzido e terem a conclusão agilizada.
Com até quatro pavimentos, para evitar o uso de elevador, segundo Carlos Wellington Pires, engenheiro do Itep, eles se popularizaram também por conta do lobby de um sindicato de ceramistas que existia no estado.
Como não havia regulamentação para este tipo de construção, a maioria dos prédios caixão construídos nesta época foi levantada fora das normas legais de engenharia e com materiais sem durabilidade.
Com materiais baratos e usados de forma errada, a deterioração dos prédios aconteceu rapidamente e provocou outros danos às construções, muitas vezes erguidas em terrenos que não eram apropriados e não receberam intervenções para receberem os edifícios.
Condições como lençóis freáticos, chuvas fortes e alagamentos ajudaram a degradar ainda mais os insumos usados nas construções.
Os problemas começaram a aparecer na década de 1990 - quando diversos prédios caixão no Grande Recife desabaram. Pelo menos 20 já ruíram total ou parcialmente desde então e outros foram demolidos.
Em cinco décadas Pernambuco registrou 54 mortes decorrentes de desmoronamentos de prédios caixão.
Em 2025 faz 20 anos que este tipo de construção foi proibida em Pernambuco. Até 2023 cerca de 11% da população do Grande Recife morava em prédios do tipo caixão.
A falta de solução para o problema, que requer um trabalho conjunto do poder público em diversas instâncias e recursos financeiros, tem resultado em bairros inteiros de municípios do Grande Recife cheios de edificações abandonadas, ou ocupadas de forma irregular.
Edf. Kátia Melo desabou no bairro de Piedade, em Jaboatão dos Guararapes
Reprodução/TV Globo
Acordo mediado pela AGU
Apesar do histórico de problemas, muitos prédios-caixão continuam habitados em Pernambuco. Por vezes, os próprios moradores se reúnem para custear reforços estruturais.
Havia entretanto um passivo histórico relacionado a indenizações de ex-moradores e também à necessidade de evitar novas ocupações em prédios desabitados.
Em julho de 2024, a Advocacia-Geral da União (AGU), a Caixa Econômica Federal, o Estado de Pernambuco, a Confederação Nacional das Seguradoras e o Ministério Público do Estado de Pernambuco (MPPE) celebraram um acordo parar tentar pôr fim à situação.
Desde então, a União está indenizando em até R$ 120 mil cerca de 14 mil famílias de 431 prédios interditados. Também foi acordada a demolição dos imóveis e que os terrenos serão repassados ao governo estadual para a construção de moradias populares e equipamentos públicos.
O governo de Pernambuco se comprometeu a pagar auxílio-moradia às pessoas que passaram a ocupar os prédios interditados. O acordo tem gerado queixas de alguns ex-moradores, pelo valor pago e também porque não contempla pessoas que tinham apólices de seguro privadas.
De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), o valor foi calculado considerando 75% do valor de um imóvel da faixa 1 do programa Minha Casa Minha Vida e negociações com o Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS), responsável pelos pagamentos.
Segundo o MPF e o MPPE, há um debate em curso para tentar contemplar ex-moradores com apólices de seguro privadas e sem seguro.
Caso mais conhecido
Moradores acompanhando a demolição do Conjunto Residencial Muribeca, em imagem de arquivo
Reprodução / TV Globo
Um dos conjuntos mais populosos e conhecidos pelos problemas estruturais foi o Conjunto Residencial Muribeca, em Jaboatão dos Guararapes.
Após quase 20 anos de interdição e abandono, em 2020 a Justiça Federal decidiu arquivar os processos dos mutuários da Caixa que não tinham aceitado o acordo proposto, de receberem R$ 140 mil por apartamentos de três quartos e R$ 120 mil por imóveis de dois quartos no residencial.
Ao todo, eram 2.176 mutuários, dos quais 2.092 aceitaram receber os valores. Eles moravam no conjunto entregue em 1982, com 69 blocos, cada um com 32 apartamentos.
Os problemas no Conjunto Residencial Muribeca começaram em 1995, quando um dos prédios foi interditado pela Defesa Civil. Dez anos depois, em 2005, todos os blocos foram interditados, mas muitos moradores continuaram residindo no local por não terem para onde ir.
Em 2015 e em 2019 alguns blocos foram demolidos. Em 2020, a juíza Nilcéa Maggi decidiu que não havia possibilidade de reconstruir o residencial e determinou que o terreno fosse doado à prefeitura de Jaboatão para que fosse erguido um parque social no local.
Conjunto Beira-Mar
Conjunto Beira-Mar em imagem de arquivo
Foto: TV Globo/Reprodução
Outro caso bastante conhecido é o do Conjunto Beira-Mar, no bairro do Janga, em Paulista. Com vários prédios condenados pela Defesa Civil e determinação de demolição, o residencial também foi entregue em 1982, com 29 blocos.
Destes, 14 têm determinação de demolição, mas muitos apartamentos permanecem ocupados por famílias em situação de vulnerabilidade que alugam, ou mesmo compram, os imóveis de terceiros, considerando esta a única opção de habitação possível.
Em janeiro de 2025, parte de um dos blocos desocupados do Beira-Mar, que já deveria ter sido demolido, desabou. A tragédia mais recente no conjunto residencial do Janga aconteceu em julho de 2023, quando o bloco D7 caiu e deixou 14 pessoas mortas e sete feridas.
Moradores do Ed. Kátia Melo, em Piedade, notaram portas emperradas antes de desabamento
VÍDEOS: mais vistos de Pernambuco nos últimos 7 dias
Você faz parte da nossa playlist! Olá, ouvintes da 98 FM! Aqui é o seu espaço para fazer parte da nossa programação. Queremos saber qual música faz o seu coração vibrar, qual letra representa a sua história ou simplesmente aquela canção que não sai da sua cabeça. É fácil participar: envie uma mensagem para o nosso WhatsApp ou ligue para o estúdio durante o programa. Conte para nós qual música você gostaria de ouvir e por que ela é especial para você. Queremos compartilhar esses momentos musicais incríveis com toda a nossa audiência. Afinal, na 98 FM, a música é feita por vocês, nossos ouvintes. Vamos juntos criar a trilha sonora perfeita para o seu dia. Sintonize, participe e deixe a sua marca na nossa rádio. 98 FM: a sua rádio, a sua música, o seu momento!